Comunicar tornou-se, em todas os domínios da nossa actividade, um verdadeiro imperativo categórico. Todos os nossos comportamentos são transformados em comunicação, os nossos gestos são descodificados, até os mais íntimos conseguem ser transformados deixando passar uma mensagem.

Nos dias de hoje a comunicação assume uma enorme importância, sendo mesmo considerada a solução de grande parte dos problemas das sociedades actuais.


Utopia da Comunicação

Durante séculos, o homem ocidental pensou a ciência e a técnica – no âmbito daquilo a que Heidegger chamou uma concepção “instrumental e antropológica”, e que se pode resumir em duas proposições fundamentais: a primeira, a de que a técnica é um conjunto de instrumentos ou meios criados pelo homem, resultantes da aplicação da ciência; a segunda, a de que a técnica está ao serviço do homem que a cria, orientando-se por finalidades por ele determinadas. Ora, os acontecimentos traumáticos da 2ª Guerra Mundial – o holocausto, a bomba atómica, a guerra de extermínio – tornaram visível a todos, do cientista ao homem comum, a impossibilidade de manter uma tal concepção da ciência e da técnica.


Este “desmentido”, ao incidir sobre a ciência e a técnica e, no fundo, sobre aquilo a que se costuma chamar a “razão”, parece colocar radicalmente em causa a possibilidade de toda e qualquer utopia futura – na medida em que toda a utopia se pretende, precisamente, como um projecto de organização mais “racional”, simultaneamente mais sábia e mais justa, da sociedade.


É neste contexto histórico-ideológico do pós 2ª Guerra Mundial, e para responder mais uma vez ao dilema entre a impossibilidade da utopia e a sua absoluta necessidade, que começa a surgir, nos Estados Unidos da América, aquilo a que alguns autores têm vindo a chamar a “utopia da comunicação”.


O projecto utópico que se articula em torno da comunicação é ambicioso. Este desenvolve-se em três níveis, são eles uma sociedade ideal, uma outra definição antropológica do homem e uma promoção da comunicação como valor. Esses três níveis concentram-se em torno do tema do homem novo - Homo communicans.


Um homem novo

Segundo Wiener, esse homem novo é um ser sem interior e sem corpo, que vive em uma sociedade sem segredo; um ser totalmente voltado para o social, que só existe através da troca e da informação, em uma sociedade tornada transparente graças às novas "máquinas de comunicação".

A concepção deste “homem novo” articula-se em redor de dois princípios, o de que todo o ser que comunica a um certo nível de complexidade é digno de ver reconhecida a existência enquanto ser social, e que não é o corpo biológico que sustenta essa existência, mas antes a natureza “informacional” do ser considerado.

Esta nova centragem do ser humano, por parte de Norbert Wiener, permite caracterizar o homem, não como sujeito individual, mas antes a partir da sua actividade de permuta social.


É precisamente neste campo que os media emergem como instrumento essencial e decisivo e que permite ao homem reagir, de forma adequada, às circunstâncias que o envolvem e solicitam.


Uma Sociedade de Comunicação

Esta utopia, que tem em Norbert Wiener um dos seus principais promotores, vê no desenvolvimento da comunicação – que entende como troca ou circulação de informação – e dos meios de comunicação - que designa por imprensa – a possibilidade de construir uma sociedade verdadeiramente democrática, alternativa quer ao comunismo quer ao nazi-fascismo. Essa sociedade assentaria em três princípios fundamentais:

i) O consenso, no sentido de tomar todas as decisões da forma mais racional, fria e desapaixonada possível, permitindo que, face a um determinado problema, todos os cidadãos tenham a mesma liberdade e oportunidade de apresentar as suas soluções, defendê-las com os seus argumentos e, mediante uma discussão aberta e igualitária, chegar a uma solução aceite por todos, evitando assim os conflitos sociais auto-destrutivos.

ii) A transparência, como modo de trazer ao conhecimento dos cidadãos todos os assuntos de interesse público, de tornar claras todas as decisões políticas, de eliminar todos os “segredos de estado”.

iii) A auto-regulação, no sentido de que, como qualquer organismo ou máquina inteligente, a sociedade terá os seus próprios mecanismos homeostáticos, susceptíveis de detectar atempadamente os problemas e desequilíbrios que poderão, assim, ser resolvidos de forma mais rápida e eficaz possível – para o que Wiener confia, e muito, nas “máquinas inteligentes” que começam então a desenvolver-se; poderá mesmo colocar-se a hipótese de, num futuro não muito distante, o Estado deixar de ser necessário, passando todo o poder para os cidadãos ou, pelo menos, para órgãos cada vez mais descentralizados e participados.

O problema da “utopia da comunicação” é, no fundo, o de todas as utopias: o de que elas prometem ser sempre mais do que aquilo que, de facto, podem dar.

Sublinhe-se, desde já, que a “utopia da comunicação” não é apenas mais uma das utopias em que a modernidade tem vindo a ser fértil. Enquanto que as restantes utopias se caracterizam por uma dialéctica união-conflito que não pode deixar de excluir ao mesmo tempo que inclui, a utopia da comunicação apresenta-se, hoje, como uma utopia da união de todos com todos, da inclusão total. Ela só não incluiria os que se recusassem a comunicar; o que, afirmam os seus promotores - que nesta matéria subscreveriam plenamente a afirmação dos pensadores da “Nova Comunicação” e da Escola de Palo Alto “não podemos não comunicar” -, se revela completamente impossível, na medida em que a própria recusa da comunicação já é, e é-o de forma muito significativa, uma forma de comunicação.

A ideia de considerar a comunicação como um valor social, nasce, sobretudo com o objectivo de combater a entropia que, para Wiener, era um elemento perverso na compreensão entre os homens. Nesse sentido, a sua argumentação nasce e desenrola-se em torno de um eixo que opõe a informação à entropia, onde o modelo das sociedades “abertas”, que reduzem a desordem entrópica, se opõe ao das sociedades “rígidas”, que a aumentam e, até, numa situação limite, as podem levar a completa desagregação.


Será que vivemos hoje numa sociedade de comunicação?

O homem sempre comunicou através das formas de comunicação que, ao longo da sua existência, constituíram as suas diferentes linguagens nas relações com os outros homens. Nesta perspectiva, as sociedades humanas têm sido sempre sociedades de comunicação. A sociedade de hoje, é uma sociedade que emana informação, onde os mass media e os self media ocupam um lugar de destaque na facilitação do circular dessa mesma informação. Qual é o grande desafio para o homem desta sociedade? É o conseguir gerir toda esta quantidade de informação. Graças às tecnologias de informação e comunicação, toda esta informação encontra-se mais disponível. O problema encontra-se no facto de esta sociedade liberal, utilizar a comunicação para a sua própria sobrevivência política, favorecendo sempre o mecanismo do esquecimento das razões pelas quais se tinha constituído como valor.

Podemos concluir que o projecto utópico de comunicação, no sentido que lhe foi conferido por Norbert Wiener, apresenta-se como um espaço de liberdade e criatividade do ser humano com uma função social positiva, justamente na dimensão que Adalberto Dias de Carvalho projecta para a utopia no seu sentido mais geral, ou seja, a “utopia surgirá, inclusive, em nome da liberdade e da soberania do homem, como um autêntico afrontamento do real. Correria, contudo, o risco de o demolir ao não respeitar de todo as regras e as categorias do conhecimento positivo, o único que lhe permitiria a apreensão correcta dos condicionamentos que influenciam, explicam e, em última instância, projectam o próprio homem”. 1


Informação retirada de:

Manuel João Vaz Freixo, Teorias e Modelos de Comunicação, Lisboa: Instituto Piaget, 2006

Paulo Serra, Comunicação e Utopia, Universidade da Beira Interior

1Adalberto Dias de Carvalho, Utopia e Educação, Porto: Porto Editora, 1994.

No Response to " "

Enviar um comentário